Ando com tantas saudades suas. Há algum tempo já não te dedico tempo algum. Perdoa. É que depois que entrei para esse tulmutuado mundo civilizado, fiquei meio relaxada com a vida, esquecendo que você foi meu fiel companheiro nas minhas descobertas e sonhos de adolescente. Tantos segredos compartilhamos, tantas lágrimas minhas você guardou, tantos “meu primeiro amor” você testemunhou. Do primeiro beijo à primeira vez, do nascer do botão ao desabrochar da flor, do amor ao desamor… Era sempre você quem estava lá. E de repente, assim tão de repente, um estranho silêncio passou a reinar entre nós. E tanta coisa aconteceu durante esse silêncio. Chegou uma tal dona racionalidade me apavorando e ridicularizando a nossa relação. Ainda não entendo porque permiti que ela interferisse entre nós de uma forma tão autoritária, afinal sempre fomos tão cúmplices, tão companheiros e num simples piscar de olhos, nos tornamos apenas lembranças de um tempo bom. Ainda bem que não nos tornamos íntimos estranhos como acontece com a maioria dos casais que um dia trocaram tantas juras de amor. Do lado de cá, tudo é tão frio. Sentimentos foram deturpados, valores invertidos, virtudes esquecidas. Saber virou sinônimo de poder; poder virou arma de opressão; silêncio virou lei. E Justiça virou ilusão. É tudo tão confuso, tão sem nexo, tão diferente daquilo que um dia sonhamos. Os sonhos que guardei nas suas páginas foram se diluíndo na poeira de desencanto.
Os caminhos. Ah, os caminhos! Por vezes tão tumultuados e tão nebulosos. Queria tanto saber, em que curva do caminho permiti que adulterassem meus sonhos, que me tomassem a fantasia, que me aprisionassem as esperanças. Teria sido lá, naquele momento em que permiti que me carimbassem um tal número que me rotularia “Cidadã”? Acho que foi alí sim. De lá pra cá, meu status passou a ser diretamente ligado aos cifrões e demais rótulos instituídos. Fala pra mim, meu amigo querido. Seria você capaz de me apontar o instante em que eu deixei de ser emoção, pra me travestir de razão? E em nome de uma tal coerência, passivamente assisti a demolição dos sonhos daquela menina que ainda marejava os olhos diante do nascer de cada novo dia. Conta pra mim, vai. Talvez assim, eu possa fazer o caminho de volta e tentar reencontrar o rastro do sonho, a crença no ser humano, na amizade, no amor. Quem sabe lá, naquela curva do caminho, reencontrarei a inocência da minha menina, a irreverência daquela moleca que você conheceu, a sensatez da mulher que um dia sonhei ser, mas acima de tudo, a alma do ser que ainda insiste em renascer dentro de mim.
Apenas me mostra o caminho meu querido amigo.
… Eu preciso tanto voltar lá.